A cada lambida salgada, granulada e fria que o mar dá na areia, se movimentam as conchas. Pedaços de cálcio rolando, indo e vindo, sendo reveladas ou arrastadas para a água, essas conchas vivem na beira do mar. Uma criança que vive na beira do mar se ocupa de juntar nas conchas das mãos, conchas do mar. A criança não sabe que suas mãos são pequenas e que, em algum momento, não caberão nelas tantas conchas quanto gostaria de levar. Para onde a criança quer levar essas conchas, e porquê? Esses pequenos pedaços de cálcio esbranquiçados, os dentes de leite do mar, a criança quer tê-los consigo. Seria para guardar desse momento de infância as miudezas? Seria para guardar a infância em uma memória de cálcio e sal? O choro do dente que cai, o choro do mar cujas conchas de brincar se perdem em potes, em vidrinhos, em gavetas de cômodas de crianças. Se um dia a criança jurar que devolve as conchas, quando estiver muito longe da infância, quando estiver bem mais próxima do mar, não haverá ressentimento. O mar quer o cálcio das conchas, quer o cálcio das crianças, quer a brincadeira das ondas e quer, sendo muito velho, tudo de novo.
Escrevi esse texto depois de ver uma criança catando conchinhas na praia da cachoeira do bom jesus, cena que me fez lembrar do reencontro com o meu sobrinho. Ele fez exatamente a mesma coisa ao chegar na praia comigo e com a minha irmã. Se eu pudesse, dedicaria todas as conchinhas do mar às crianças, e o mar também, para que o plástico continuasse mais debaixo das colunas de água e menos nas bocas das tartarugas e dos filhotes de gente.