segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

É tarde



Tava eu na parada de onibus quando vi um roedor entrar na toca

Um bueiro aberto na calçada 

É tarde, pensei comigo, pra ir atrás de um rato

Mesmo assim entrei com a cabeça lá dentro

E na água escura vi meu rosto refletido

Mas também já era tarde para amar minha própria imagem 

Além do mais, eu estava indo pegar a condução 


Escuto que no mar de piedade quem canta são os tubarões 

Só que é tarde para me jogar aos dentes pontiagudos 

da fome dos outros 

Pego o Rio Doce, lotação 

Chego salgada de suor

na água, piranhas 

Preciso olhar minha casa

já é tarde 

Para catar flores na margem e ouvir o canto de peixes

Com a boca cheia de dentes 


Pego o elevador, e mesmo que minha alma subisse aos céus, já é tarde

Há anos permaneço imóvel, para visitação

Convites para entrar e arrombamentos 

Preenchem meus dias

Mas é tarde para confiar na valorização

As rachaduras só aumentam

E aqui alaga

E andei pensando bem

Talvez eu pegue o elevador e desça

Até o subsolo

Mas o tempo não passa

e ainda é cedo demais

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 Tudo o que reluz é anzol