Tava eu na parada de onibus quando vi um roedor entrar na toca
Um bueiro aberto na calçada
É tarde, pensei comigo, pra ir atrás de um rato
Mesmo assim entrei com a cabeça lá dentro
E na água escura vi meu rosto refletido
Mas também já era tarde para amar minha própria imagem
Além do mais, eu estava indo pegar a condução
Escuto que no mar de piedade quem canta são os tubarões
Só que é tarde para me jogar aos dentes pontiagudos
da fome dos outros
Pego o Rio Doce, lotação
Chego salgada de suor
na água, piranhas
Preciso olhar minha casa
já é tarde
Para catar flores na margem e ouvir o canto de peixes
Com a boca cheia de dentes
Pego o elevador, e mesmo que minha alma subisse aos céus, já é tarde
Há anos permaneço imóvel, para visitação
Convites para entrar e arrombamentos
Preenchem meus dias
Mas é tarde para confiar na valorização
As rachaduras só aumentam
E aqui alaga
E andei pensando bem
Talvez eu pegue o elevador e desça
Até o subsolo
Mas o tempo não passa
e ainda é cedo demais
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