segunda-feira, 6 de dezembro de 2021


Um sol vivo sobrevoa minha cabeça 

Um sol pra cada um de nós 

Seis bilhões de sóis queimam 

Sozinhos 


Eu não preciso encontrar ninguém 

Se eu cruzar com um animal diferente, um que voe, vou sorrir 

Busco animais que cortem o vento

Não preciso encontrar alguém 

Não ter compromisso, nem reunião importante, não ter marcado 

ser a última a pisar na lua 

Ninguém me espera, moro longe


Não preciso encontrar todas as pessoas do mundo 

O relógio bate as horas

Mesmo que eu não pudesse escutar, há o sol

Há sóis, sombras 

Horas no chão

Horas a escorrer, caindo em pé, correndo deitadas

E não há no mundo quem eu precise encontrar

É tarde



Tava eu na parada de onibus quando vi um roedor entrar na toca

Um bueiro aberto na calçada 

É tarde, pensei comigo, pra ir atrás de um rato

Mesmo assim entrei com a cabeça lá dentro

E na água escura vi meu rosto refletido

Mas também já era tarde para amar minha própria imagem 

Além do mais, eu estava indo pegar a condução 


Escuto que no mar de piedade quem canta são os tubarões 

Só que é tarde para me jogar aos dentes pontiagudos 

da fome dos outros 

Pego o Rio Doce, lotação 

Chego salgada de suor

na água, piranhas 

Preciso olhar minha casa

já é tarde 

Para catar flores na margem e ouvir o canto de peixes

Com a boca cheia de dentes 


Pego o elevador, e mesmo que minha alma subisse aos céus, já é tarde

Há anos permaneço imóvel, para visitação

Convites para entrar e arrombamentos 

Preenchem meus dias

Mas é tarde para confiar na valorização

As rachaduras só aumentam

E aqui alaga

E andei pensando bem

Talvez eu pegue o elevador e desça

Até o subsolo

Mas o tempo não passa

e ainda é cedo demais

Melaço

 

Dissolver

Ou derreter?

O mundo é líquido viscoso

Pessoas doces, doces feito cana

Pessoas frias, suores frios

Pessoas todas, histórias tortas

Perdas no caminho

Icebergs no caminho

Degelo no caminho

Lagos de sal, chuva de pó 

Mar doce, piedade 

Tudo é um desafio que quero

Sonhei o sonho da sorte

Mas perdi os números

Um dia

Cada vez que eu dou um passo

Uma pedra

O caminho é de terra

O caminho pode ser de água 

O possível caminho no ar

Chuva de iceberg, vento de navalhas

Fogo com fome de tudo, o que restará 

Pedra sobre pedra

Empilho rochas

Muro ou ponte?

Tombar pedras

É possível?

Lutar hoje, luto eterno, nasci chorando.

Quero morrer rindo.


Vou remar pra longe

Longe dessas ilhas

ninguém é uma ilha

No entanto cavam ao redor

lagos para se ilhar

São como castelos

Eu quero a ponte

Pedra sobre pedra

Rolando em ciranda

Fio

 O fio do olho é salgado

Minha cidade abaixo do nível do mar. Minha cidade onde o ar não chega, somente oxigênio necessário para alimentar uma mal nutrida combustão eterna. Minha cidade, Nerópolis, repleta de incendiários que jamais serão perdoados por erguer imponentes labaredas infernais, que são responsáveis por chamuscar as nuvens por debaixo. Minha cidade é de fogo e água. O asfalto quente derrete as solas dos pés. Para se refrescar há esgotos abertos, rios de caranguejos que beliscam carne mole e mares de tubarões raquíticos. 

O fio do olho é seco

Cabo de aço correndo a córnea, o mar é verde e é um abismo sobre nossas cabeças. O mundo está tombado, só pode. O mar seco abriga fósseis, só há vida no molhado, só é verde onde molha. O fio de algodão da descostura de dentro do olho, se você puxar é pior, faz abertura de escorrer sangue. Sangue do olho é salgado, fio de algodão tingido. Faz muito tempo, mas ainda existe esse fogo nos olhos, fogo de incendiar canavial em olhos de encontro de mar com rio. Mesmo passado o tempo, ainda há sangue nos olhos. Não deixe essa fonte secar, nessa fonte que eu lavo minhas roupas, essa fonte tinge de vermelho meus panos e assim me camuflo, alvo já abatido. O vermelho é a cor de dentro, camuflagem de alvo só é possível assim.


 Tudo o que reluz é anzol