Ofélia é um rio salgado
Seu olho é um furúnculo aberto
D’onde chora uma mistura lamacenta
Quente, esverdeada, vaporosa
Sem margem e nem tamanho
Deságua num mar sem nome
Ofélia é um rio de lágrimas
Seu olho nunca cessa de jorrar
Espuma fétida, conjuntivite
Partículas de vidro, cristais de sal
Seu leito é um lençol rasgado
Que abraça seu corpo de água moribundo
Ofélia é um doce rio marinho
Onde boiam pneus
Onde flutuam sacolas
Ondem brincam de morrer os meninos
Que ninguém reclama
Onde vão se afogar os peixes
Ofélia é um manto de pesticida
Rio de água parada
Que envenena as grávidas
E seus natimortos
Todo o sal da terra jaz em Ofélia
Que desidrata a razão humana
Ofélia é uma bomba que foi jogada do céu
E caída na terra abriu um rombo
Bem no único olho que lhe sobrava
A terra ficou cega pra sempre
E nunca mais calou o seu pranto
Num choro que é horizontal
Ofélia é um acidente
Sem medida e sem localização
Não pertence a nenhum município
Estado ou país
É um rio sem curvas, sem quedas
E sem marco
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