quarta-feira, 10 de março de 2021

Alice - rio para não chorar

 


Ofélia é um rio salgado
Seu olho é um furúnculo aberto

D’onde chora uma mistura lamacenta 

Quente, esverdeada, vaporosa
Sem margem e nem tamanho
Deságua num mar sem nome

Ofélia é um rio de lágrimas 

Seu olho nunca cessa de jorrar

Espuma fétida, conjuntivite

Partículas de vidro, cristais de sal 

Seu leito é um lençol rasgado

Que abraça seu corpo de água moribundo


Ofélia é um doce rio marinho

Onde boiam pneus 

Onde flutuam sacolas

Ondem brincam de morrer os meninos

Que ninguém reclama

Onde vão se afogar os peixes


Ofélia é um manto de pesticida

Rio de água parada

Que envenena as grávidas

E seus natimortos

Todo o sal da terra jaz em Ofélia

Que desidrata a razão humana


Ofélia é uma bomba que foi jogada do céu

E caída na terra abriu um rombo

Bem no único olho que lhe sobrava

A terra ficou cega pra sempre

E nunca mais calou o seu pranto

Num choro que é horizontal


Ofélia é um acidente

Sem medida e sem localização

Não pertence a nenhum município 

Estado ou país

É um rio sem curvas, sem quedas

E sem marco


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