Está tudo normal
Como sempre, indo mal
Eu tinha nome
Depois um número
Hoje
Só sombra
Da árvore,
Nem sombra
Da história,
Nem sombra
Os rastros ficarão
A boiada deixa, eventualmente, seu rastro
hasteio a bandeira
branca
iço o ferro
continuo navegando
ao
redor do buraco
traço o rumo: a
beira do mundo
cada copo americano
uma tempestade
cada corpo ao sul
Encar quilha
vertigem na garrafa
garrafas secas
sem mensagem
mesmo em terra
com água por dentro
com os olhos salgados
mareamos
nunca tão longe do mar
nunca tão perto
mesmo no cristalino mergulho
nunca tão perto
quando a água cai
do céu
enlameia
inunda e afoga
Aflitos
palafitas
nunca tão longe
águas passadas
movem
redemoinhos
e a tormenta
ventos alisam
vento forte é o que te pega desprevenida
das cinzas às cinzas
do pó ao pó
da água à àgua
re
volta
a última viagem:
derrota
nos leva sempre
para um estado:
O liquído
não verás futuro sólido
líquido é o seu verdadeiro estado
a vida só pode ser verde
onde molha
no vapor que sai da boca você vê:
A alma é água
Um sol vivo sobrevoa minha cabeça
Um sol pra cada um de nós
Seis bilhões de sóis queimam
Sozinhos
Eu não preciso encontrar ninguém
Se eu cruzar com um animal diferente, um que voe, vou sorrir
Busco animais que cortem o vento
Não preciso encontrar alguém
Não ter compromisso, nem reunião importante, não ter marcado
ser a última a pisar na lua
Ninguém me espera, moro longe
Não preciso encontrar todas as pessoas do mundo
O relógio bate as horas
Mesmo que eu não pudesse escutar, há o sol
Há sóis, sombras
Horas no chão
Horas a escorrer, caindo em pé, correndo deitadas
E não há no mundo quem eu precise encontrar
Tava eu na parada de onibus quando vi um roedor entrar na toca
Um bueiro aberto na calçada
É tarde, pensei comigo, pra ir atrás de um rato
Mesmo assim entrei com a cabeça lá dentro
E na água escura vi meu rosto refletido
Mas também já era tarde para amar minha própria imagem
Além do mais, eu estava indo pegar a condução
Escuto que no mar de piedade quem canta são os tubarões
Só que é tarde para me jogar aos dentes pontiagudos
da fome dos outros
Pego o Rio Doce, lotação
Chego salgada de suor
na água, piranhas
Preciso olhar minha casa
já é tarde
Para catar flores na margem e ouvir o canto de peixes
Com a boca cheia de dentes
Pego o elevador, e mesmo que minha alma subisse aos céus, já é tarde
Há anos permaneço imóvel, para visitação
Convites para entrar e arrombamentos
Preenchem meus dias
Mas é tarde para confiar na valorização
As rachaduras só aumentam
E aqui alaga
E andei pensando bem
Talvez eu pegue o elevador e desça
Até o subsolo
Mas o tempo não passa
e ainda é cedo demais
Dissolver
Ou derreter?
O mundo é líquido viscoso
Pessoas doces, doces feito cana
Pessoas frias, suores frios
Pessoas todas, histórias tortas
Perdas no caminho
Icebergs no caminho
Degelo no caminho
Lagos de sal, chuva de pó
Mar doce, piedade
Tudo é um desafio que quero
Sonhei o sonho da sorte
Mas perdi os números
Um dia
Cada vez que eu dou um passo
Uma pedra
O caminho é de terra
O caminho pode ser de água
O possível caminho no ar
Chuva de iceberg, vento de navalhas
Fogo com fome de tudo, o que restará
Pedra sobre pedra
Empilho rochas
Muro ou ponte?
Tombar pedras
É possível?
Lutar hoje, luto eterno, nasci chorando.
Quero morrer rindo.
Vou remar pra longe
Longe dessas ilhas
ninguém é uma ilha
No entanto cavam ao redor
lagos para se ilhar
São como castelos
Eu quero a ponte
Pedra sobre pedra
Rolando em ciranda
O fio do olho é salgado
Minha cidade abaixo do nível do mar. Minha cidade onde o ar não chega, somente oxigênio necessário para alimentar uma mal nutrida combustão eterna. Minha cidade, Nerópolis, repleta de incendiários que jamais serão perdoados por erguer imponentes labaredas infernais, que são responsáveis por chamuscar as nuvens por debaixo. Minha cidade é de fogo e água. O asfalto quente derrete as solas dos pés. Para se refrescar há esgotos abertos, rios de caranguejos que beliscam carne mole e mares de tubarões raquíticos.
O fio do olho é seco
Cabo de aço correndo a córnea, o mar é verde e é um abismo sobre nossas cabeças. O mundo está tombado, só pode. O mar seco abriga fósseis, só há vida no molhado, só é verde onde molha. O fio de algodão da descostura de dentro do olho, se você puxar é pior, faz abertura de escorrer sangue. Sangue do olho é salgado, fio de algodão tingido. Faz muito tempo, mas ainda existe esse fogo nos olhos, fogo de incendiar canavial em olhos de encontro de mar com rio. Mesmo passado o tempo, ainda há sangue nos olhos. Não deixe essa fonte secar, nessa fonte que eu lavo minhas roupas, essa fonte tinge de vermelho meus panos e assim me camuflo, alvo já abatido. O vermelho é a cor de dentro, camuflagem de alvo só é possível assim.
A cada lambida salgada, granulada e fria que o mar dá na areia, se movimentam as conchas. Pedaços de cálcio rolando, indo e vindo, sendo re...